sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Gin Quanto Baste - Parte I - Primeiros Momentos * * Durante o Voo **

Imagem de despedida de Lisboa (Actual ponte 25 de Abril, na altura denominada ponte Salazar)

Carlos retirou o cinto, que o ajustava na cadeira quando existiu autorização para tal, ajeitou-se no assento, puxou por um cigarro que acendeu de imediato e ofereceu o maço ao moço que seguia a seu lado, um mulato Cabo-Verdiano Furriel enfermeiro.
- Queres um cigarro?
- Não, não fumo, obrigado.
- Incomoda-te que fume?
- Não pá, fuma á vontade, replicou o Cabo-Verdiano.
 Na altura não havia tantos africanos em Portugal como hoje em dia, Carlos volta à conversa enquanto saboreava o cigarro.
- De onde és?
- Sou Cabo-Verdiano da cidade da Praia.
-E a tua especialidade? Pergunta Carlos.
- Enfermeiro
- Eu sou Sapador de Engenharia e vou para Vila Cabral em Moçambique, e tu?
- Vou também para Moçambique para o Hospital de Mueda.
- Vou para uma companhia de Engenharia, replicou Carlos
Feitas as apresentações, ficaram os dois mudos, Carlos continuou fumando o cigarro enquanto olhava pela janela do avião, só via nuvens por baixo, estranhava não ver mais nada que não o sobre voo sobre os castelos de nuvens.

Terminou o cigarro e voltou a dirigir-se ao mulato.
- Os gajos dão qualquer coisa para trincar, ou é a seco até Luanda, ainda são algumas boas horas até lá?
- É pá não sei, quando vim de Cabo-Verde para cá, deram um prato de carne e era menos tempo, mas também foi na TAP (Transportes Aéreos Portugueses) agora com a tropa, não sei.
- A carne para canhão é tratada a pão e água, se calhar não vai haver nada para matar o bicho.
- Ná Pá, com os graúdos que aqui vão! Vais ver que dão no mínimo almoço à maralha, retorquiu o mulato à intervenção de Carlos.
Novamente os dois se quedaram mudos e retornaram aos pensamentos de cada um, enquanto eram embalados pelo barulho dos motores.

Carlos começou a recuar no tempo e a recordar-se de como tudo tinha começado até ali.

Tudo se iniciou em Agosto de 1969 quando das inspecções para o serviço militar, por essa altura com 18 anos, Carlos sonhava em ficar livre da “tropa”, pois tem uma deficiência visual num dos olhos de nascença, para mal dos seus pecados, naquele ano tudo foi aprovado, até um coxo, bem coxo ficou aprovado. A aprovação de Carlos foi para todo o serviço militar, na gíria dos mancebos da altura “ Carne para canhão”.
Estudava em Lisboa, tinha acabado os estudos secundários na capital do Alto Alentejo e para continuar os estudos só na Capital. O exame ao físico era feito no D.R.M. (Distrito de Recrutamento Militar), os das aldeias iriam fazer um bailarico da passagem “se consideravam agora homens”, nalguns a barba mal tinha começado a despontar. Toda aquela fila de mancebos nus era caricata… E quando um capitão médico os mandava dobrar para espreitar o que não vê? Alguns não resistiam e davam a sua gargalhada, para logo um Primeiro enfermeiro, os mandar calar e guturalmente gritar “Silêncio”.
Na saída não existia festa, todos sabiam o destino, as guerras no Ultramar Português se tinha iniciado em Angola em 1961 e rapidamente se propagara à Guiné e a Moçambique, poucos seriam os que ficariam na Metrópole (Portugal), a ver a banda passar. Os de maior sorte, iriam para Timor, Macau ou para S.Tomé, mas eram poucos os que alcançariam estes paraísos, pela certa teriam o continente africano no seu caminho e como companhia a mais fanática companheira durante os dois anos de estadia a “gatilhografa” standard do Exercito Português, a menina mais estimada, a famosa G3.

Lembrou-se de como foi parar á Arma de Engenharia. Tinha feito os psicotécnicos durante a recruta, para tentarem saber das melhores aptidões. O resultado dos mesmos nunca os soube até à semana de campo, a penúltima semana de recruta. Na semana de campo foi indigitado para comandar sempre um grupo de colegas recrutas como ele, esta indicação estava reservada para todos aqueles que o capitão da companhia tinha escolhido para irem para cadetes da Escola de Oficiais Milicianos do Exercito sediada no convento de Mafra.
Numa das noites da semana de campo e em conversa com o Instrutor que era de Tomar uma cidade perto do seu local de nascimento, perguntou-lhe Carlos, o que tinham dado os psicotécnicos o instrutor confidenciou que tinham no registo a Arma de Engenharia. Nessa noite Carlos dormiu pouco, ir para Alferes e comandar um pelotão de homens isso era ir pela certa para profissional do “gatilho”, a outra opção seria continuar a carreira da família e aproveitar a oportunidade de aprender mais um pouco. Na manhã seguinte, Carlos tinha tomado a opção preferia a Engenharia ao gatilho da arma.
Deixou terminar a semana de campo e na volta ao Regimento de Infantaria Nº 5 pediu para falar com o capitão.

- Meu capitão dá-me licença. Perguntou na porta do gabinete.
- Entre instruendo, que pretende.
- Vinha informar o Capitão que sei que estou indigitado para ir para Mafra
O capitão interrompeu o discurso preparado
- E então não está contente
- Bem meu Capitão, também sei que os psicotécnicos me colocam na Engenharia e…
Novamente o Capitão o interrompeu
- Não venha com merdas, se não quer ir para Oficial diga logo, que outros estão em pulgas e na bicha para irem para Mafra.
- Meu Capitão prefiro a Engenharia, pois era o que fazia na vida civil.
- Mas agora já não é civil é militar e militar vai para onde o mandam, retire-se.
Carlos ainda esboçou argumentar mais um pouco, mas o capitão voltou à carga.
- Retire-se, é surdo.
- Carlos deu um passo atrás, bateu a continência, rodou sobre os calcanhares uma meia volta perfeita, bateu com o pé no chão e saiu do gabinete do Capitão.
- Foi ter com o Instrutor que lhe tinha dado o resultado dos testes e deu-lhe a indicação que o Capitão tinha ficado chateado com o pedido.
- É pá o gajo tirou aqui a recruta, depois foi para Mafra e fez uma comissão em Angola, na volta fez contrato por quatro anos, o tipo pensa que os que aqui chegam acham o máximo irem para Oficiais.
- O Gajo deve estar choné ou gostar muito da tropa, eu prefiro a Engenharia, mas se o gajo me foder, nada posso fazer, chumbar em Mafra não, que ainda vou parar a cabo.

Ultimo dia de recruta, mandaram a maralha formar na pequena parada da companhia, já todos tinha Jurado Bandeira.

Com a formatura na ordem de à vontade, começou o Capitão a indicar onde teriam de se apresentar os instruendos para a continuação da instrução militar, agora chamada de especialidade. A maioria ia para Tavira tirar a especialidade de Atirador de Infantaria, quando chegou a vez de Carlos, lhe foi dada a indicação que iria para Sapador de Engenharia, Carlos não se desfez, pois enquanto ia falando o Capitão não tirava os olhos dele.
Veio a ordem de destroçar Carlos dirigiu-se ao Capitão
- Meu Capitão, obrigado.
- Fique sabendo que você é parvo. Foi a resposta seca do Capitão enquanto se dirigia para a secretaria da companhia.
Parvo ou não, antes andar a comandar homens de pá e pica do que andar aos tirinhos na mata, foi este o pensamento de Carlos.

Pelas 13 horas o altifalante da aeronave voltou a funcionar, desta vez para dar a informação que iria ser fornecida uma refeição.

Carlos volta-se para o Cabo-Verdiano, que entretanto tinha adormecido.
- Pá os gajos sempre vão dar de almoço à rapaziada.
- O quê almoço, tá bem, já cá cantava, já. Respondeu o cabo-verdiano meio estremunhado do acordar repentino que a cotovelada de Carlos tinha provocado.


Karl d'Jo Menestrel
12/02/2010

1 comentários:

Paula Barros disse...

Amigo, voltarei para ler com calma. Estes dias estou mais ocupada.

Olho, olho, mas não dá para ler.

beijo